A família de Ester Trancoso Barreto sabia, antes mesmo de ela nascer, que se sobrevivesse até os 3 anos teria que passar por três grandes cirurgias no coração.
"Descobrimos ainda na gravidez que ela tem síndrome do ventrículo esquerdo”, explica a mãe, Elaine Trancoso. “Alguns médicos chegaram a nos dizer que a Ester não sobreviveria.”
A síndrome do ventrículo esquerdo é uma doença congênita em que o funcionamento do lado esquerdo do coração fica comprometido. “É como se ela tivesse somente um lado do coração”, explica o pai, Marcos Barreto.
Ester sobreviveu às duas primeiras cirurgias (a primeira foi quando ela tinha apenas 48 horas de vida e a segunda no terceiro mês) apesar de ter sofrido alguns AVCs (acidente vascular cerebral) em decorrência dos procedimentos cardíacos.
A última das cirurgias estava prevista para acontecer quando Ester tivesse entre três e quatro anos. Mas, em janeiro, quando a menina tinha ainda dois anos, exames mostraram que o coração dela estava inchado. Médicos disseram que era necessário marcar a cirurgia para março próximo.
“Mas aí nos esbarramos com a questão do coronavírus”, conta Marcos.
A equipe médica alertou que a criança, pelos problemas cardíacos, fazia parte do grupo de risco da Covid-19. Os pais tinham que tomar a decisão final de prosseguir com a cirurgia no coração de Ester.
“Os médicos tinham medo de a Ester fazer a cirurgia e ser infectada. Além disso, por causa do coronavírus, o hospital estava com pouco sangue e a Ester precisaria de doações para conseguir ser operada”, lembra o pai. “Não tinha o que fazer, o coraçãozinho dela precisava da cirurgia."
No dia 12 de março, a família, que é de Cariacica, no Espírito Santo, viajou para São Paulo e Ester foi internada no Hospital Beneficência Portuguesa para passar pelos procedimentos.
A cirurgia foi bem-sucedida, mas, no pós-operatório, a menina apresentou várias complicações respiratórias e tosse. “Achávamos que era consequência de ela ter ficado muitas horas entubada durante a cirurgia”, diz a mãe.
O quadro de Ester foi piorando até que, no quinto dia após a cirurgia, “o coração dela parou por mais de 20 vezes durante o dia”, conta Marcos, que estava com a filha no momento das paradas cardíacas.
Dois dias depois, a menina passou por um novo procedimento no coração, dessa vez para colocar um marcapasso.
O teste positivo
Elaine permaneceu no hospital para ficar ao lado da filha. No mesmo dia da cirurgia do marcapasso, percebeu que tinha perdido o olfato. “Mal sabíamos que era um sintoma de coronavírus. Mas, quando contei para a chefe da UTI que cuidava da Ester que eu estava sem olfato, ela imediatamente nos isolou e pediu testes de Covid-19.”
Tanto Ester quanto Elaine testaram positivo e ficaram isoladas na UTI por 10 dias, além de mais outros 11 dias isoladas no quarto de uma ala do hospital destinada somente a crianças que contraíram a doença.
“A Ester só via as pessoas de máscara, óculos, ela ficava em pânico, chorava muito. Eu comecei a chorar junto depois do quinto, sexto dia no isolamento”, lembra Elaine.
“Apesar de tudo, eu agradecia a Deus pela vida da minha filha e por estar isolada junto dela. Se eu não tivesse me contaminado junto, ela teria ficado sozinha.”
Os médicos, segundo a família, não sabem explicar se a contaminação ocorreu antes ou após a cirurgia.
Após 21 dias de isolamento e mais de um mês de internação, Ester refez o teste de coronavírus e veio a confirmação de que havia se curado.
Em 24 de abril, dia do seu aniversário de três anos, Ester e a mãe receberam alta hospitalar e puderam voltar para o Espírito Santo.
Antes de se despedir do hospital em São Paulo, o mesmo em que ela nasceu três anos antes, a menina ganhou um bolo para celebrar a cura.
“É sobrenatural a força dessas crianças, são anjos”, diz a mãe, falando que a história de vida da pequena Ester “daria um livro.
FONTE: g1.globo.com